As canções de Frei Bento

Frei Bento morava ao lado de uma pequena capela, que ficava no alto da colina. Lá em cima, ele tinha uma horta e um jardim. O que plantava, usava para se alimentar. Ele sempre colhia as flores que cresciam no seu jardim para decorar a igreja aos domingos. Bem cedo, ele começava a tocar o sino da capelinha, a enfeitava com flores e esperava.

As pessoas que viviam no vale moravam bem afastadas umas das outras, pois todas eram camponesas, cada um tinha sua horta e seus animais. Frei Bento conseguia ver suas casinhas bem ao longe. Aos domingos, quando ouviam o sino, todos subiam até a capela. Vinham famílias inteiras, grandes e pequenos. As crianças eram as que chegavam mais rápido, subiam a colina com grande agilidade. Frei Bento já estava esperando por todos na porta da capela. Dava a mão a cada uma das crianças, conhecia o nome de todas. Quando todos haviam chegado – pais, avós – a capelinha ficava cheia com o povo daquele lugar, então Frei Bento começava a cantar. Essa era a parte mais bonita do domingo para a maioria das pessoas. Frei Bento ensinava as crianças, e elas cantavam, soltando a voz. Era lindo!

Assim acontecia regularmente todos os domingos: as pessoas vinham, rezavam, cantavam e voltavam muito contentes às suas casas.

Naquela região era comum, na época do inverno, que o frio fosse bem intenso.

Naquele ano, entretanto, o inverno foi muito mais intenso do que em outros anos. O frio veio com tanto rigor, tanta intensidade que aos domingos quando Frei Bento tocava o sino, as pessoas chegavam a pensar duas vezes: "Vamos sair de casa? Está fazendo tanto frio!"

Contudo as crianças insistiam, e ainda assim a capelinha se enchia. Todos tinham que esfregar as mãos, levar cachecóis e casacos bem grossos pois o frio era muito intenso, mas, ainda assim, eles cantavam com alegria todas as canções que Frei Bento havia lhes ensinado e voltavam felizes para casa. Certa vez, num domingo, aconteceu que algumas pessoas ainda ficaram para conversar com Frei Bento e disseram: -"Frei Bento, está difícil vir até aqui, o frio está muito intenso, temos medo de que nossas crianças fiquem doentes, é um esforço muito grande, alguns de nossos filhos já estão com tosse. É melhor a gente não vir mais aos domingos."

Frei Bento ficou um pouco triste, mas entendeu.

"Vocês têm razão", disse ele, "é melhor que vocês fiquem em casa, mas vamos fazer um combinado? Quando chegar o domingo, eu tocarei o sino da minha capela, como sempre, e vocês vão ouvir lá de baixo, mas não precisam vir. Ao ouvir o sino vocês se lembrarão dos nossos encontros aqui em cima. Neste momento então, rezem e cantem com as crianças, e assim estaremos todos juntos."

Aquele foi o último domingo em que as pessoas ainda conseguiram subir até a colina, pois naquela noite caiu uma nevasca tão intensa que cobriu tudo de branco…não haviam mais condições para as famílias poderem subir até lá. Não podiam sair de casa, tanta era a neve.

Por sorte as famílias haviam trabalhado bem naquele verão e haviam colhido e guardado muitos alimentos em suas casas. Cada família teve que permanecer em sua casa, acender o fogão a lenha e preparar sua comida. Quando chegava a manhã de domingo, Frei Bento tocava o sino e se dirigia à capela. Não havia ninguém lá, mas ele cantava as canções que havia ensinado às crianças.

As crianças, cada uma em sua casa, com sua família, não precisavam ser lembradas, quando ouviam o sino, se reuniam com os pais à mesa, e cantavam todas as canções. E assim sucedeu, domingo após domingo. Frei Bento tocava o sino, cantava sozinho na sua capela e nas casas das famílias, eram as crianças que primeiro se lembravam de cantar. Cantavam com os pais, com os avós, com todos que moravam na casa. Ainda que estivesse cada família dentro de sua própria casa, todos percebiam que, de alguma forma, era com se todos estivessem juntos, cantando com o Frei Bento. -"É como se a gente estivesse lá com ele", diziam. "Todos reunidos no mesmo lugar!"

Assim ocorreu muitos domingos.

Frei Bento às vezes tinha dúvida e se perguntava: "Será que minhas crianças cantarão comigo quando chegar o domingo?". Mas lá no fundo do coração ele sabia. "Eu sei que todos eles estão fazendo o que eu pedi, por isto me sinto tão unido com todos eles".

O inverno foi longo, muito longo, a neve demorou muito tempo pra derreter. Frei Bento, todo domingo tocava o sino e cantava e as crianças, lembrando os bons momentos, cantavam com suas famílias em suas casas. Depois desse longo, longo inverno, a neve finalmente começou a derreter e já não fazia tanto frio. Foi uma alegria, quando num domingo, eles conseguiram subir outra vez a montanha, depois do longo inverno de isolamento. As crianças como sempre foram as primeiras a chegar, subiram a montanha com a maior alegria e Frei Bento estava lá. Pena que, após um inverno tão rigoroso, no jardim ainda não haviam nascido flores para enfeitar a capela mas isso não era um problema. Em agradecimento, as crianças haviam feito flores de papel em suas casas, durante o inverno e cada uma delas levou uma flor para Frei Bento que decorou toda a igreja com aquelas lindas flores de papel colorido.

Todos se reuniram contentes e, em silêncio, esperaram Frei Bento entoar as primeiras canções. Aquele foi um domingo maravilhoso! Depois de tanto tempo, isolados em suas casas, agora estavam todos reunidos ali. O mais surpreendente é que estavam todos afinados, não haviam deixado de treinar um único domingo. Foi possível notar que as canções que Frei Bento havia ensinado às crianças e aos adultos foi o que os manteve unidos todo aquele tempo. Unidos também na alegria, na força e no entusiasmo. O inverno tinha sido rigoroso e tinha sido difícil passar aquele tempo todo dentro de casa, mas agora, que estavam reunidos de novo na capela, era uma alegria o reencontro e poder cantar juntos outra vez. Quando Frei Bento disse que eles podiam voltar para casa, ninguém queria sair da capela, todos se abraçavam, estavam alegres, contavam tudo o que haviam sentido e vivido naqueles tempos. Frei Bento então, disse:
"- Vamos ficar aqui o resto da tarde".

Alguns desceram até o vale, pegaram alguns alimentos e fizeram uma linda refeição em conjunto no alto da colina.

Depois disso a vida voltou ao normal. Aos domingos, todos subiam para cantar com Frei Bento, nos outros dias da semana trabalhavam na horta, cuidavam dos animais, faziam as tarefas da casa. Aquele inverno rigoroso, porém, ninguém esqueceu. Todos tinham no fundo do coração uma grande gratidão por Frei Bento pois ele havia ajudado todas as famílias a superar um inverno tão difícil. Havia também lhes ensinado que, mesmo estando isolados, há maneiras de estar unidos na alegria.

Renato Fontes Gomes